Como réplicas de Caravaggio e de tumbas faraônicas podem ajudar a salvar obras ameaçadas

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Como réplicas de Caravaggio e de tumbas faraônicas podem ajudar a salvar obras ameaçadas

Os detalhes da Factum Arte, a empresa que falsifica arte para o bem.

Rafa Rachewsky na impressão da Natividade com São Francisco e São Lourenço de Caravaggio no estúdio da Factum Arte em Madri. Imagem © Factum Arte

Factum Arte é uma empresa europeia que entende de falsificações – mas tudo com a melhor das intenções, calma lá. Em 2014, os caras criaram uma réplica da Natividade com São Francisco e São Lourenço, de Caravaggio, para o Oratório de São Lourenço, em Palermo, na Itália, onde a obra foi roubada em 1969.

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Depois de reconstruir a pintura com base em registros fotográficos, a equipe da Factum Arte trabalhou na "rematerialização" da obra por meio de uma impressão digital em diversas camadas sobre uma tela coberta de cola animal, pigmento e carbonato de cálcio – o tipo de base que Caravaggio teria usado. Após retoques feitos à mão, a pintura foi então finalizada, envernizada e emoldurada. O resultado pode ser apenas uma ilusão ótica, mas agora os visitantes da igreja de Palermo podem esquecer, mesmo que por um momento, que aquilo foi perdido.

Digitalizando o Casamento da Virgem de Rafael. Imagem © Factum Arte

A Natividade de Caravaggio foi um caso desafiador, já que, na maioria das vezes, a Factum Arte trabalha diretamente com os originais. Para o trabalho, a companhia desenvolveu sua própria tecnologia e modificou ferramentas já existentes a fim de capturar cada detalhe de uma obra sem nenhum contato com o original.

O Veronica Chorographic Scanner, por exemplo, foi produzido para registrar rostos e bustos a 360º em apenas alguns segundos por meio da fotogrametria; seus scanners 3D conseguem capturar os dados da superfície de uma obra de arte a até um décimo de milímetro. "Essas informações podem ser traduzidas para criar renderizações 3D que podem ser utilizadas para fins de pesquisa, para monitorar o estado de uma obra antes e depois de uma restauração ou para estudar a história do objeto", diz Jessica Corneille, do setor de publicidade da empresa.

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O trabalho acaba nesta etapa quando o objetivo é apenas conservar o objeto em formato digital para as gerações futuras – sobretudo em casos em que, segundo Jessica, a obra está "sob ameaça de destruição ou comprometida devido a fenômenos naturais, turismo ou vandalismo".

Réplica das Bodas de Caná de Varonese, na Fondazione Cini. A obra mede cerca de 9 x 7 metros. Imagem © Factum Arte

Em outros casos, a digitalização é apenas o primeiro passo na produção de uma réplica. A Factum Arte já produziu uma tumba de Tutancâmon e agora trabalha em réplicas de outras tumbas faraônicas que substituirão as originais nos locais turísticos, diminuindo, assim, a degradação desses espaços. "As réplicas também podem ser utilizadas com outras finalidades, como no remendo de peças ou como uma nova forma de repatriação", explica Corneille. A pintura Bodas de Caná de Veronese, que foi levada por Napoleão no século XVIII do Monastério de San Giorgio em Veneza, está exposta atualmente no Louvre, na França. A enorme tela foi digitalizada com a ajuda de um especialista em cor e, hoje, uma magnífica reprodução feita pela Factum Arte se encontra no refeitório do monastério.

Carlos Bayod e Aliaa Ismail, da Factum Arte, digitalizando a tumba de Seth I com o scanner Lucida 3D. Imagem © Gabriel Scarpa

Com o desenvolvimento das reproduções digitais que se aproximam cada vez mais dos originais, cresce o interesse das instituições em fazer uso dessa tecnologia. Quais são suas vantagens e suas desvantagens?

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No caso de objetos perdidos, ou obras frágeis demais para serem exibidas, devemos ser gratos às reproduções. Elas dão a possibilidade de ver algo onde não haveria nada.

Contudo, é sempre um pouco decepcionante ler uma legenda de museu e perceber que estamos admirando uma reprodução em vez de um original. Nossa percepção quanto ao objeto muda instantaneamente. Podemos apreciá-la a partir de uma perspectiva racional, mas parte de seu poder já não se encontra mais ali. A pergunta é: por quê? Se não soubéssemos a verdade, teria feito alguma diferença?

No caso das tumbas egípcias — e de outros locais que, por todo o mundo, nunca deveriam ter sido atrações turísticas — é mais fácil deixar para lá a frustração e entender o valor das réplicas. Segundo Adam Lowe, fundador da Factum Arte, "uma tumba é construída para durar uma eternidade, não para ser visitada".

Reproduções digitais possibilitam experiências educacionais e talvez até emocionais, preservando os espaços sagrados que jamais foram criados para a visitação pública. Se o objetivo da conservação é preservar a intenção original, então, neste aspecto, as réplicas oferecem oportunidade única para se ater a esse comprometimento.

Drones registram a mesquita de Kala-Koreysh, no Daguestão. Imagem © Ksenia Sidorova

As réplicas da Factum Arte reproduzem a textura da tinta e todas as marcas ou rachaduras existentes na superfície das obras originais. Imagem © Factum Arte

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Textura da superfície de uma pintura de Kirchner, digitalizada com o scanner Lucida 3D da Factum Arte. As renderizações isolam e destacam informações que conservadores podem não ver durante a inspeção da obra original. Imagem © Factum Arte

Clique aqui para saber mais sobre o trabalho de conservação da Factum Arte.

Tradução: Flavio Taam Siga a VICE Brasil no Facebook, Twitter e Instagram.