A Guerra Contra o Pixo Continua Firme e Forte em Belo Horizonte

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A Guerra Contra o Pixo Continua Firme e Forte em Belo Horizonte

A segunda fase da Operação Argos Panoptes, apelidada de "Lava-Jato do Pixo" chamou mais 40 pixadores e ex-pixadores para prestar depoimento na delegacia.

Belo Horizonte. Foto cortesia do Goma que também deu entrevista para a reportagem.

A Operação Argos Panoptes talvez seja um dos maiores esforços das autoridades de Belo Horizonte para acabar com a cultura do pixo na cidade. No final de maio, somaram-se 19 mandados de busca e apreensão, 12 mandados de condução coercitiva para o monitoramento eletrônico com recolhimento domiciliar noturno e mais sete pedidos de prisão preventiva contra os líderes do bonde de pixação Pixadores de Elite. Entre os presos, está a grafiteira Suellem Ribeiro, que deu seu depoimento à VICE em junho.

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Passada a primeira fase da operação, na qual os pixadores foram indiciados por formação de quadrilha, o Ministério Público repassou as investigações para a Polícia Civil, que chamou mais 40 pessoas para prestar depoimento na delegacia. Segundo o advogado de defesa, Felipe Bernardo Furtado Soares, dois mandados de busca e apreensão também foram expedidos para recolhimento de provas.

Goma, um dos maiores pixadores da cidade, foi alvo de um dos mandados. Segundo ele, a polícia recolheu seu celular, pen drives, tintas e diversas roupas vendidas em sua loja. O computador também foi levado, o quinto perdido para a polícia desde 2010.

A trajetória de Goma no pixo é longa. Começou a se interessar por isso quando estava na escola, com 12 anos de idade. "Na minha escola, o assunto mais comentado era sempre sobre quem pixou tal lugar da cidade, em vez de falar de futebol ou outro tipo de lazer. Eu via as meninas endoidando com o pixo, e foi assim que isso foi despertando na minha cabeça", conta.

A paixão pelo pixo nunca diminuiu, e Goma foi pego cerca de 10 vezes pela polícia por causa dos rolês. "Que fique bem claro que [em] nenhuma vez [em] que fui pego foi oferecida alguma solução pelo Estado para a minha arte. Era só prestação de serviços e multas."

Já na maioridade, Goma começou a se dedicar mais ao grapixo e foi deixando a pixação em segundo plano. O que não impediu de ele, em 2010, ter sido recolhido em prisão preventiva por conta da operação que visava a dissolver o bonde Piores de Belô. Ele passou 117 dias preso e foi um dos poucos pixadores condenados no processo. "Considero isso uma das maiores injustiças do mundo."

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"Saí de lá na revolta. E a primeira coisa que eu fiz foi pegar um mapa da cidade de Belo Horizonte – e saí pra pixar todos os bairros da cidade", lembra.

O padrão de recolher objetos pessoais, roupas e tinta se repete para conseguir enquadrar os pixadores no crime de apologia ao crime ou incitação ao crime. No caso de Goma, as roupas apreendidas tinham referências à cultura da maconha.

Outro pixador conhecido, Sadok, foi chamado para depor. Sadok já havia sido preso em preventiva em 2010 junto com Goma e reduziu quase que completamente suas atividades no pixo depois da condenação. Mesmo assim, foi convocado no mês passado para prestar depoimentos na delegacia. "Mostraram umas pixações que não conheço, me fizeram perguntas sobre outras pessoas. Perguntei se era só depoimento ou se era processo e a escrivã falou que já tinha um processo gerado, mas era o juiz que ia decidir se ia levar isso pra frente."

"Não sei como fui chamado, porque não estou pixando mais. Só espero que não dê prisão de novo", desabafa Sadok.

Colocada obviamente pra trás por São Paulo, Belo Horizonte é uma das capitais mais pixadas do Brasil, com uma cena bastante vocal e ativa que concentra os trabalhos principalmente na região central.

Foram três operações que deslocaram policiais para cumprir mandados e dedicar um trabalho de inteligência a fim de dissolver bondes de pixação com a justificativa de preservar o patrimônio público e preparar a cidade para a Copa do Mundo. Uma em 2010, outra em 2012 e agora em 2015, que parece ser a maior desde então, motivada pela pixação na Biblioteca Pública Luiz de Bessa.

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Desde a entrada do prefeito Márcio Lacerda em 2008, a repressão do pixo começou a apertar cada vez mais, tornando-se quase uma cruzada pessoal do prefeito, que ativamente recomenda às autoridades de Belo Horizonte tolerância zero com os pixadores.

Ata de reunião realizada em 2009 com a participação do prefeito Márcio Lacerda que gerou a operação de 2010 em Belo Horizonte para dissolver o bonde Piores de Belô.

No processo de 2015, gerado a partir da operação Argos Panoptes, há uma recomendação do próprio prefeito endereçado ao procurador-geral de Minas Gerais propondo uma cooperação entre a Prefeitura, o Ministério Público, o Tribunal de Justiça e a Secretaria de Defesa Social para aumentar a repressão contra a pixação e seus autores.

"Além do combate ao pixo, há várias medidas higienistas inseridas na questão de política urbana do prefeito", explica Soares. Com a criação do Movimento Respeito por BH, a gestão de Lacerda gerou uma série de polêmicas na cidade, principalmente com o boicote contra o evento Duelo de MCs , a Feira Hippie na Praça Afonso Pena e a proibição de pipoqueiros e vendedores de algodão-doce nos espaços públicos .

Sob a competência da Secretaria de Serviços Urbanos, hoje o Movimento Respeito por BH segue na cruzada para apagar as pixações nos patrimônios públicos e criar uma cultura de criminalização dos autores dos pixos pela cidade. Procurado, o gerente do Movimento, José Luiz de Almeida Costa, respondeu que os danos causados ao patrimônio público custam R$ 120 mil reais por mês aos cofres públicos.

Os próprios pixadores entendem que a população mineira não aceita essa forma de protesto. Morrou, caminhoneiro e pixador desde a década de 90, conta que seu modo de operação se concentra em pixar paredes e prédios públicos. "Não adianta ir lá protestar no muro da casa ou comércio do trabalhador: a gente vai no patrimônio público mesmo." O próprio admite que nem todo bonde compartilha da mesma visão, embora respeite essa decisão.

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Apontado como um dos responsáveis por pixar a biblioteca da Praça da Liberdade, Morrou passou 117 dias presos e hoje está com uma tornozeleira eletrônica, o que o impede de trabalhar e sustentar sua filha, que é dependente do seu trabalho.

O companheiro de Morrou, G.G., também acusado de pixar a biblioteca, está ainda em prisão preventiva. O advogado de defesa lembra que, embora se trate de um processo simples, com dois réus e prioridade por um deles estar preso, o prazo de apreciação dos documentos pelo juiz foi excedido. Ambos estão respondendo por dano ambiental e dano ao patrimônio público e G.G. está respondendo por incitação ao crime e apologia.

Morrou acredita que a intolerância da prefeitura vem de uma politicagem contra a cultura do pixo. "Não sou envolvido com tráfico, não sou usuário de drogas, tenho uma filha que é completamente dependente de mim. E eles me deixam assim, com tornozeleira, sem poder trabalhar. Agora, [com] o rombo da Petrobras ninguém se preocupa. É muito fácil ficar na mansão de tornozeleira; agora, ficar num barraco não dá, né?"

Ele frisa ainda que há uma insistência por parte das autoridades para que outros pixadores sejam entregues nos depoimentos. "Eles perguntaram em uma audiência se eu tinha feito a biblioteca, e eu disse que sim; e também queriam saber quem mais estava comigo, e eu não respondi. Tenho certeza [de] que ninguém caguetou ninguém, mas eles forçaram a barra."

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A segunda fase da operação, apelidada pelo advogado de defesa de "Lava Jato da Pixação", está nas mãos da Polícia Civil. A primeira fase, como observa o advogado, contou com a investigação do Ministério Público e da Polícia Militar, a qual não tem competência atribuída pela Constituição de presidir investigações sobre crimes comuns.

"O Ministério Público de Minas Gerais e a Polícia Militar montaram [um] núcleo de combate à pixação com o MP chamado NUCRIM. São alguns promotores que chamaram a inteligência da PM para suprir a falta de pessoal", explica Felipe.

Questionada sobre a possibilidade de investigar crimes ambientais e o custo total da operação, que mobilizou 88 policiais da ROTAM, a Polícia Militar de Belo Horizonte não respondeu até a publicação da reportagem.

Até o momento, não houve nenhum tipo de articulação entre a Prefeitura de BH e os pixadores. Perguntado sobre o assunto, o gerente do Movimento Respeito por BH explica que, "em parceria com as secretarias municipais de Meio Ambiente e de Educação, o Movimento Respeito por BH sensibiliza os monitores das escolas integradas quanto à diferenciação entre a prática da arte em grafite e que o ato de pixar é considerado crime conforme previsto em lei".

Dois programas foram criados para diminuir a pixação em certas áreas da cidade. O projeto Telas Urbanas , que incentiva o grafite e desenhos em muros, e o Tapume com Arte , que busca fomentar a cultura artística da capital.

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Fora isso, o Ministério Público enviou uma série de recomendações à prefeitura para lidar com a cultura da pixação da cidade. Entre elas, está a concessão de benefícios fiscais para os moradores que apagarem por conta própria as pixações, a colocação de cercas-vivas para evitar a ação em viadutos e, além disso, o reforço na "elaboração de um plano permanente de combate à pixação no município, o fortalecimento da fiscalização, a implementação de programa permanente de comunicação social a fim de esclarecer à sociedade os danos e malefícios decorrentes da pixação e suas consequências jurídicas".

A segunda etapa da operação ainda está na fase de inquérito. A primeira leva de pixadores apontados como membros dos Pixadores de Elite já foi denunciada – e a maioria deles, segundo o advogado de defesa, foi injustamente acusada de formação de quadrilha. Uma tática já apontada por ele como uma forma de criminalizar amizades e obter uma pena mais alta no processo penal.

Aparentemente, grande parte do colhimento de provas se concentra nas redes sociais, o que levou muitos pixadores a desativar seus perfis.

Visivelmente revoltado com a operação, Goma diz que está disposto a "colocar a cara" em prol da pixação. "Enquanto o homem com dinheiro destrói uma mata e, no lugar, constrói empresas que vão poluir rios, nosso ar e prejudicar vida… ainda por cima, colocam muros gigantescos para proteger a empresa. E aí, se alguém pixar esse muro, é ele quem está causando um crime ambiental", rebate.

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