Falámos com a mulher de 86 anos que escreveu "Dinheiro para Armas Mata!" numa parede do Banco Nacional da Suíça

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Falámos com a mulher de 86 anos que escreveu "Dinheiro para Armas Mata!" numa parede do Banco Nacional da Suíça

"Correu tudo bem. Acabei por ir dar uma volta num carro da polícia e ver as vistas, enquanto os outros activistas ficaram a recolher assinaturas".

Este artigo foi originalmente publicado na VICE Alps.

Os suíços são habitualmente orgulhosos da sua neutralidade. No entanto, isso não os impede de, anualmente, exportarem milhões em material de guerra, até para países como a Arábia Saudita, Qatar, Jordânia, ou Irão, que descaradamente desrespeitam os direitos humanos e, directa ou indirectamente, estão envolvidos em guerras. Em 2015, empresas suíças exportaram material bélico no valor de 446,6 Francos Suíços, para 71 países.

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No negócio das armas está também envolvido o Banco Nacional Suíço, bem como várias fundações e fundos de pensões, através da atribuição de empréstimos e investimentos. Na terça-feira, 11 de Abril, como forma de denunciar esta situação, a activista pela paz, Louise Schneider, de 86 anos, pintou a vermelho, num muro em construção junto ao edifício-sede do Banco, a frase "Dinheiro para Armas Mata!". Uma acção que marca o arranque de uma campanha levada a cabo pelo denominado Grupo por uma Suíça sem Exército (Gruppe für eine Schweiz ohne Armee – GsoA, no orriginal). O colectivo quer que o envolvimento de instituições financeiras do país na indústria do armamento seja proibido.

Visitámos Louise Schneider em sua casa, na localidade de Köniz, perto de Berna, para perceber melhor o que a motivou.


Vê também: "'A Smarter Gun': quem está a travar as armas inteligentes?"


VICE: Na manhã de terça-feira escreveu "Dinheiro para Armas Mata!" num muro em construção junto ao Banco Nacional Suíço. O que é que a levou a tomar esta iniciativa?

Louise Schneider: A minha motivação é a construção da paz. Estou convencida que qualquer arma à face da Terra é uma arma a mais. Cada franco canalizado para a indústria bélica contribui para o mal no Mundo. Não posso aceitar que o Banco invista neste negócio e lucre com isso. As armas suíças circulam por todo o Mundo. Se alguém me conseguir explicar o que é que isso tem a ver com neutralidade, é um artista. Mas, tenho de lhe perguntar outra vez, para que jornal é isto?

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Para a VICE.

Para quê?!

V.I.C.E. – um meio de comunicação para jovens.

Ah, então vocês têm mesmo de tentar mostrar a "bigger picture" e juntar os pontos, para que os jovens entendam o que se passa. O problema dos media é que, muitas vezes, relatam as coisas separadas por categorias, sem fazerem as ligações. Não há nada que não esteja ligado. A fome está ligada ao dinheiro, as armas estão ligadas ao dinheiro. O dinheiro confere poder. Temos de ser consistentes neste aspecto. Não podes falar apenas sobre uma espingarda. Tem de existir um debate sobre princípios. Essa é a minha vida.

Está contente com a acção?

Muito contente. Correu tudo bem. Acabei por ir dar uma volta num carro da polícia e ver as vistas, enquanto os outros activistas ficaram a recolher assinaturas. Correu bem.

Foi acusada de alguma coisa?

Não, eles só me levaram dali. Mas entrei naquele carro aliviada. Afinal de contas, a intenção era, precisamente, que me levassem dali. Ao princípio parecia que nem sequer me iam dizer nada e só quando o chefe chegou ao local é que disse aos polícias mais novos para me levarem. Mas os agentes foram muito simpáticos. Trataram-me como se fosse a sua avó.

A juventude é muitas vezes acusada de não se interessar por política e de não se envolver nos problemas das comunidades. Acabou por ser a Louise a pintar o muro porque não havia mais ninguém para o fazer?

Não, pelo contrário. Pintei aquela parede em particular, porque tinha sido apagada uma outra frase que dizia "Nenhum ser humano é ilegal" e que, provavelmente, teria sio escrita por alguém de uma geração mais jovem. Embora também pudesse ter sido eu (risos). Esta nova parede estava completamente branca, quase imaculada. Era demasiado tentador. Não consigo aceitar que os banqueiros possam simplesmente apagar as preocupações das pessoas.

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Louise Schneider, activista pela paz, junto à sua casa. Foto por Philippe Stalder

Desde quando é activista pela paz?

Quando era apenas uma criança de oito anos, testemunhei a guerra em toda a sua intensidade. Tive muito medo. Nessa altura, na minha familia, discutiam-se muitas questões políticas. Ouvia os discursos de Hitler na rádio e via o quão assustados os adultos ficavam com aqueles berros. O meu pai foi chamado a combater contra a sua vontade. Naquela época, quem tentasse fugir ao serviço militar era fuzilado. Portanto, esse tipo de coisas chamou-me a atenção desde muito cedo. A minha professora da altura dizia que que aprofundava muito as coisas. Devido a essa experiência, sempre me pareceu bastante claro que o Mundo precisa de paz. O meu pai ensinou-me: "Cada golpe tem sempre uma repercussão". E esta filosofia acompanhou-me durante toda a vida.

Como é que o papel da Suíça no negócio internacional do armamento foi mudando ao longo dos anos?

Durante um curto período de tempo, depois da Guerra, tornámo-nos mais espertos. Reconhecemos o o mal resultante dos conflitos. Nessa era pós-Guerra, o pacifismo assumiu a forma de um movimento organizado. Os socialistas religiosos, que ainda por cá andam hoje em dia, são fruto dessa época. Conheces Karl Barth?

Não. Devia conhecer?

Aí está, a eterna questão. Este rapaz nem sabe quem é Karl Barth! Ou Kurt Marti. Eram homens altamente intelectuais, que trabalharam na construção da paz e contra o negócio das armas. Era um trabalho duro. Não basta estar sentado em casa à espera que alguma coisa engraçada aconteça. Sabes quanto trabalho foi preciso para se poder revelar que o fundo de pensões da Suíça investe dinheiro no fabrico de armamento?

Falou sobre socialistas religiosos. Que papel tem a religião na sua vida? Vê a luta pela paz, também como uma tarefa cristã?

Não, não é uma tarefa. Há no Novo Testamento, um dos livros mais revolucionários do mundo, um texto chamado "Sermão da Montanha", que diz que os mais fracos serão os primeiros e os primeiros serão os mais fracos. Isso vai de encontro à minha opinião. Mas eu não sou uma cristã fundamentalista. Não acho que Jesus tenha tido de se esvair em sangue até à morte para nos salvar. Mas há uma ordem que segue o seu rumo e que um dia estará completa. E, neste sentido, tenho o meu objectivo e quero cumpri-lo. Estou nisto com toda a minha boa fé, a minha força e o meu tempo, o meu sangue, suor e lágrimas.

E foi por isso que levou a cabo o protesto?

Exactamente. O meu protesto  foi neste local, para lhes mostrar que o dinheiro da Suíça não pertence aos fabricantes de armas.