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Creators

A Confusão Entre a Realidade e o Sonho na Obra de Muti Randolph

Artista conhecido por suas instalações e cenografias que reagem ao som, criando experiências imersivas e sensoriais, lança ‘Timespaces’, livro que compila vinte anos de atuação.

Muti Randolph, com sua estética apurada e uma técnica muito peculiar, é um dos maiores representantes da arte ancorada às novas tecnologias. Por meio de seus incessantes experimentos, ele encontrou um jeito desenvolto de conjugar luz, som, artes gráficas e arquitetura. Para o artista plástico carioca, o espaço é determinado pela luz, e a luz é determinada pelo som. Isso explica o princípio de alguns de seus projetos mais conhecidos, como o interior dos clubs D-Edge (2003) e U-Turn (1996). Grande parte de seu talento tem a ver com o conceito de imersão sensorial tão presente em suas realizações.

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No intuito de criar cenários e projetos de arquitetura de interiores capazes de concretizarem o sonho de mergulhar em seus próprios desenhos, ele desenvolveu um software generativo que controla as ilustrações luminosas que dão graça às cenografias. Assim, a interação da luz com o som não só determina o espaço, como o faz dançar. Randolph passou pela biologia, mas focou sua formação na comunicação visual e no desenho industrial. Depois de se firmar como um dos pioneiros na arte de computador, animação e ilustração 3D no Brasil, ele foi rumando aos poucos para a composição de espaços 3D materiais.

Para comemorar duas décadas de carreira, o artista lança nesta quarta-feira (26/11) Timespaces (BEI Editora), um refinado tomo de 227 páginas e capa em 3D que compila e amplifica o entendimento das instalações em três dimensões de sua obra. A festa de lançamento rola a partir das 19h, no MIS (Museu da Imagem e do Som), em São Paulo, com direito a uma instalação efêmera pensada especialmente para a ocasião. Conversamos com o artista sobre alguns dos parâmetros que norteiam suas criações nascidas a partir desse tipo convergência. Acompanhe:

D-Edge - São Paulo, 2003

The Creators Project: Como surgiu na sua cabeça o conceito de imersão sensorial e como foram as primeiras experiências suas nesse sentido? No começo, você chegou a esbarrar em ideias que não funcionaram na prática e que precisou adaptar nas obras seguintes?
Muti Randolph: Eu sempre gostei de experiências intensas, sensoriais e imersivas na natureza, como entrar no tubo de uma onda. Experiências em brinquedos e simuladores de parques temáticos sempre me impressionaram também. Minha migração do mundo do design gráfico e ilustração para o mundo 3D se deu pela minha vontade de poder entrar nas coisas que eu desenhava. Mas na realidade a gente precisa se preocupar com questões como a gravidade, os materiais, a energia e os recursos, enfim, questões físicas. No começo, às vezes me surpreendia com algumas leis da física. Com a experiência fui aprendendo a antever problemas e soluções, mas ainda esbarro em desafios cabeludos. Acho importante não viajar demais a ponto de perder tempo e dinheiro com um projeto impossível, mas ao mesmo tempo sem ficar medroso fazendo só o que já foi testado, pois isso significa a morte da inovação e do tesão.

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Você mesmo desenvolveu o software generativo que controla as ilustrações luminosas que reagem ao som? Como foi o passo a passo e qual é o princípio básico para que a mágica aconteça?
Eu venho desenvolvendo softwares para visualização de música há 13 anos, com alguns parceiros. A ideia básica vem dos displays de VU e de analisadores de frequência. Coloquei alguns desses gigantes na pista do D-Edge, é o clássico da visualização de áudio. O primeiro software que eu fiz foi no Macromedia Director, e sincronizava animações ou clipes de vídeos pré-produzidos com o volume do áudio. Hoje uso openFameworks e as animações sao geradas em tempo real reagindo ao áudio através de muitos parâmetros que eu controlo na hora. Os objetos gerados são 2D e 3D, e suas características,  como forma, tamanho, velocidade, deformação e movimento, reagem a alguma frequência de áudio também escolhida na hora.

O que veio primeiro em sua vida, as artes visuais ou o interesse por novas tecnologias? Você acha que o futuro do design de interiores está nesse diálogo ou convergência?
Acho que os dois interesses vieram ao mesmo tempo e há muito tempo, desde criança. Sempre tive interesse por artes visuais, e tive sorte de ter pais que me mostravam livros de arte, me levavam a museus. Mas também desde o primeiro videogame, o Pong, que foi o primeiro videogame ligado na TV na minha casa, eu fiquei maravilhado com a possibilidade de interagir com luz e vídeo em tempo real. Eu acredito que o futuro (e em parte o presente) de todas formas de arte e design está no dialogo dessa convergência. Não só no design de interiores.

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D-Edge Campo Grande - Campo Grande, Mato Grosso do Sul, 1998.

O desenho de espaços para dançar se destaca no seu trabalho. Você tem um fascínio especial por esse tipo de atuação? Quais são os seus projetos mais elaborados nesse campo?
Um espaço de dançar perde por princípio uma relação dinâmica entre a música e a arquitetura. Fora isso, adoro música e adoro dançar, logo projeto os espaços antes de tudo pra mim. O D-Edge original, que agora é a pista 1, já virou um clássico. A pista 2 tem mais resolução e segue um conceito parecido. Aliás, vou inaugurar um update no software dela na festa do lançamento do livro, que acontece depois do evento no MIS no D-Edge. Além do D-Edge, teve a instalação Mirage, que eu fiz para o festival Coachella em 2011 e transformou a tenda Sahara, para 10 mil pessoas, em uma pista gigante através de uma escultura de LED de baixa resolução suspensa sobre toda a área do público.

Você estudou um pouco de biologia, certo? É daí que vem a inspiração para os padrões das formas que você aplica às instalações/ambientes? Coisas como o conceito de mutação e repetição?
Eu continuo estudando sempre que posso, principalmente genética evolutiva. Certamente isso influi no meu pensamento lógico e estético, tanto no meu software como nos desenhos. As pessoas geralmente identificam a influência da biologia no design apenas por conta do biomorfismo, que é a relação mais óbvia, porém mais superficial também. O meu trabalho, apesar de parecer à primeira vista inorgânico, costuma conter no seu conceito e na sua execução princípios biológicos, e acaba sendo orgânico não na forma, mas no movimento, no processo, na interatividade. Dizer que a tecnologia digital não é orgânica é desconhecer o fundamento da vida, que é digital, baseada em código, o DNA.

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Para você, existe uma separação entre arte e arquitetura? É viagem afirmar que toda arquitetura relevante traz um lance artístico consigo, em desalinho com a arquitetura burocrática ou simplesmente medíocre?
Eu não separo. Nem arquitetura, nem design, nem a vida. Acredito que a arte deve estar presente na rua, no dia a dia, no supermercado, no ônibus, nas casas noturnas. Não deve ficar confinada a museus e galerias. A arte é muito anterior aos museus, galerias, marchands, críticos e, até mesmo, artistas. Toda criança faz arte. Vejo os desenhos, não só da minha filha de 4 anos, mas dos coleguinhas dela, e fico impressionado com a verdade, a qualidade artística. Elas crescem e perdem isso, pois vão se contaminando com as convenções culturais. Isso não deveria acontecer. Tudo que é relevante traz arte consigo, seja o que for: uma casa, um carro, um quadro, uma música, um texto, um biscoito. E, por outro lado, vejo muita coisa irrelevante em galerias, museus, feiras e bienais.

D-Edge Concept - São Paulo, 2009

Existe uma dualidade sempre presente no seu trabalho, entre a alta e a baixa tecnologia, o 2D e o 3D, o hardware e o software, os volumes reais e os volumes representados por grafismos, espaços físicos e espaços determinados pela luz. Gostaria que comentasse essa dinâmica. Isso faz parte do desejo de adentrar em suas próprias ilustrações?
O desejo de entrar nas minhas ilustrações me fez sair do mundo do design gráfico e ingressar na cenografia e na arquitetura. Não encaro isso tanto como uma dualidade, mas como uma continuidade em que o desenho gráfico ganha volumes físicos que são preenchidos por objetos virtuais animados, que reagem a estímulos físicos. A nossa visão é um sistema de realidade virtual. Nosso cérebro constrói um modelo tridimensional do ambiente a partir da informação enviada pelos sensores em nossos olhos. Esse mecanismo continua funcionando quando dormimos e chamamos isso de sonho. Quando o nosso sistema constrói um modelo que não tem uma relação direta com os estímulos recebidos pelas células fotossensíveis, chamamos de alucinação. A confusão entre a realidade e o sonho me interessa.

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Sobre tecnologia, não considero a de um piano inferior a de um iPad, apesar de ser muito mais antiga e menos complexa. Muito pelo contrário: um iPad nunca vai produzir o som um de um piano, mesmo se ligado ao melhor alto-falante do mundo. Mas a tecnologia digital é muito mais acessível, e viaja na velocidade da luz. É a salvação do planeta. Se todo mundo tivesse um piano o mundo acabava. Mas todo mundo pode ter um tablet. Nos meus projetos mais recentes venho retornando à virtualidade, usando muito vídeo generativo e estrutura modular reaproveitável, porque além de permitir mais dinamismo, tem o mínimo impacto no ambiente.

Do que se trata a instalação efêmera que vai rolar no MIS durante o lançamento do seu livro e o que ela traz de novo, diferente ou representativo dentro do espectro do seu trabalho?
A instalação não traz nada de novo em relação ao meu trabalho, mas é bastante representativa: é uma parede de Led de alta resolução que envolve o espaço e reage ao som ao vivo do Fractal Mood, que vai tocar lá, através do meu software. Vai ser uma oportunidade para o público que não frequenta shows e festas de música eletrônica conhecer o sistema. O desafio vai ser controlar o software e autografar ao mesmo tempo. Um olho no peixe e outro no gato, enquanto assobio e chupo cana.

Lançamento de Timespaces + instalação

Quarta, 26 de novembro, a partir das 19h. Grátis

MIS (Museu da Imagem e do Som)
Av. Europa, 158, Jardim Europa, São Paulo

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D-Edge - São Paulo, 2003

Galeria Melissa - São Paulo, 2005

Colcci Ondas - Rio de Janeiro, 2007

Deep Screen Pirelli - Rio de Janeiro, 2012

Assista também ao documentário produzido pelo The Creators Project em 2010