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violencia

A Exposição "American Gun Show" Ironiza a Posse de Armas nos EUA

A tensão entre liberdade de expressão, sexualidade e o porte de armas de fogo.

Marnika Cherelle. Prototype, 2012; Courtesy of the Artist 

A pistola. Tão americana quanto torta de maçã.

Originalmente vista como uma prevenção à tirania, a pistola, desde então, se tornou muitas outras coisas: a fiel companheira de criminosos, o fetiche de colecionadores e, infelizmente, a arma preferida de policiais no tratamento dado a afro-americanos.

Apesar de a Associação Nacional de Rifles apontar a caça como uma forma positiva de usar armas de fogo, a realidade é que a pistola parece não conseguir superar o motivo de sua invenção: por fim à vida humana.

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O direito à posse e porte de armas é um assunto complexo. Com curadoria de James Morgan e Dorothy Santos, a exposição American Gun Show, em cartaz na galeria Works San José na Califórnia, nos Estados Unidos, é uma tentativa de destrinchar o tema com respostas artísticas na interseção de tecnologia, liberdade de expressão, liberdades pessoais e identidade nacional.

Linda Lighton. Love and War: The Ammunition, 2004. Courtesy of the Artist.

As obras em exibição em American Gun Show são dos mais variados formatos. Quatro pistolas foram produzidas por meio de impressão 3D para a exposição, todas baseadas no modelo Liberator de Cody Wilson. Mas a obra de Nika Cherelle, Prototype, é que rouba a cena. Satirizando a associação de revólveres com a masculinidade, o cano da arma dourada de Cherelle é um pênis ereto. Em UNSTOPPABLE, de Micha Cárdenas em colaboração com Patrisse Cullors, Edxie Betts e Chris Head, a artista explora a ideia de roupas e equipamentos à prova de balas em resposta à pergunta de Cullors na Allied Media Conference 2015: “O que seria uma tecnologia para os negros?”, em referência ao movimento “Negros são importantes”.

Morgan e Santos também selecionaram a obra Cosmic Gun de Annie Wan, peça produzida por meio de impressão 3D que detecta raios gama, criada durante sua residência na Eyebeam. Outra artista, Asa Scheibe, vasculhou o YouTube em busca de vídeos de crianças fazendo armas de fogo de cartolina e papel. O artista Joseph DeLappe criou uma grande AK-47 para a exposição, que foi customizada com dados de vários jogos de atirador para criar esculturas que trazemo cenário de terrorismo do jogo para o mundo físico.

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Barbosa Prince.Machine Gun Jesus Gold, 2015. Cortesia do artista

Santos conta ao The Creators Project que a ideia para a exposição surgiu com as reflexões e observações de Morgan sobre revólveres e a cultura das armas de fogo, sobretudo com o Liberator de Cody Wilson (uma pistola calibre .38). Quando Wilson disponibilizou os arquivos do Liberator, Morgan começou a imprimir e a juntar as várias partes da pistola.

“Enquanto estava no processo de junção das partes da arma, fiquei impressionado com sua qualidade mecânica e o enorme conhecimento em engenharia que foi posto ali. Foi sublime e, ao mesmo tempo, inspirador e assustador”, diz Morgan.

Micha Cardenas em colaboração com Patriss Cullors, Edxie Betts, Chris Head. UNSTOPPABLE, 2015. Cortesia da artista

“Fiquei com uma pergunta na cabeça: o que é um revólver?”, continua Morgan. “Essa pergunta está presente na exposição em diversas obras, como no Liberator em miniatura (uma versão em escala menor do Liberator de Cody) e algumas outras obras. Também se tornou um foco interessante para os artistas a tensão entre a Primeira e a Segunda Emendas – que tratam, respectivamente, da liberdade de expressão e do porte de armas de fogo.”

Apesar da ideia da exposição ter surgido com Morgan ao fazer a impressão 3D do Liberator, ele dá os créditos a Santos pelo modo com que a exposição foi concebida. Logo no começo, ela percebeu que sua perspectiva não representava o público-alvo. Decidiu então procurar por outra pessoa que pudesse complementar essa visão.

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Philip Gann. Toy Gun, 2015. Cortesia do artista

Dorothy Santos foi criada na presença de armas de fogo. Seu pai serviu ao exército americano e foi prisioneiro de guerra na Segunda Guerra Mundial. A curadora conta que refletiu muito sobre a cultura das armas de fogo — como elas funcionavam como uma extensão da masculinidade de seu pai e como elas existem como objetos capazes de dar poder a alguém, assim como retirá-lo. Embora houvesse uma chamada pública para a exibição, os atritos de Morgan e Santos com a cultura armamentista trouxeram uma mutiplicidade de ângulos de visão ao processo seletivo das obras.

“Metade dos artistas da exposição é composta por mulheres e mulheres negras. A maioria das pessoas não esperava por isso”, diz Santos. “Também decidimos correr o risco de olhar para a obra sem considerar os posicionamentos políticos de cada artista, porque queríamos abarcar diversas perspectivas. Este tópico pode facilmentese tornar míope se considerássemos expor apenas obras com ideologias específicas. Foi um desafio fazer a curadoria de uma exposição que fosse neutra, mas nos esforçamos ao máximo para consegui-lo.”

Minoosh Zomorodinia. Captura de tela da obra em vídeoW&P Chords, 2015. Cortesia da artista

Depois de trabalhar na exposição, Santos diz que é muito desafiador para ela não ter um posicionamento na discussão sobre armas de fogo. Apesar de horrorizados com os massacres que envolvem armas de fogo, os dois curadores e os artistas tiveram que lidar com os direitos à “segurança e autonomia, inclusive de reagir” que influenciam as pessoas a terem ou não armas de fogo.

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Durante todo o processo de concepção e produção da exposição, Morgan conversou com diversas pessoas sobre o assunto. Na noite de abertura, um dos convidados lhe disse que o desejo de atirar é uma “doença mental”. No outro extremo, visitantes de Nova Jersey falaram sobre o tiro como uma atividade familiar. Morgan conta que em geral as conversas foram boas, e atribui aos artistas o estímulo a essas trocas produtivas.

Charles Krafft. Uzi Pistol, 2015. Cortesia do artista

“É o nível de responsabilidade e (in)segurança que vem junto com os nossos artistas entusiastas por armas que me convencem de que, como povo, poderíamos prevenir boa parte dos atos de violência envolvendo armas de fogo se, simplesmente, falássemos mais uns com os outros. E, principalmente, ouvíssemos”, diz Morgan. “Tentamos não tornar toda a coisa uma discussão política, mas um lugar seguro para visitar e ser desafiado pelas obras. E, espero, ser retirado da própria zona de conforto.”

Contudo, Santos conta que algumas pessoas se mostraram consternados com a exposição, principalmente devido aos recentes incidentes com armas de fogo na igreja em Charleston e na Umpqua Community College em Oregon. Para elas, a exposição aconteceu em um mau momento. Para Morgan e Santos, não existe mau momento.

David Bowen. Fly Revolver, 2013. Cortesia do artista

“Infelizmente, tiroteios acontecerão independentemente de haver ou não uma exposição sobre armas”, diz Santos. “James levantou uma questão importante: como nação, se nada mudou muito desde o Tiroteio na escola primária de Sandy Hook, em 2012, o que é que estamos fazendo a respeito? Aquele foi um evento que pensamos que fosse gerar mudanças culturais, políticas e históricas, mas pouco mudou.”

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A intenção de Santos é que o público de American Gun Show pense sobre quais aspectos da legislação devem ser mudados, assim como a maneira com que os cidadãos americanos podem estar mais bem informados sobre segurança com armas de fogo. Santos também espera que os visitantes pensem sobre a forma como os artistas olham para esses tópicos, de modo a envolvê-los nessa conversa.

Joseph DeLappe. The Terrorist Other, 2013-14. Cortesia do artista

“Quero que as pessoas vejam isso como parte de sua cultura e percebam que ignorar questões relacionadas à violência não resolverá esses problemas”, diz Morgan. “Mas, trabalhando juntos. podemos melhorar de maneira muito significativa nossa segurança e reduzir o número de inocentes que são mortos diariamente.”

Tradução: Flavio Taam